Pico do Lopo: a primeira trilha da Rota Elementar foi semente
Nascer do sol, café no cume, livro de memórias, mimo de bergamota e banho de cachoeira selaram a estreia de um projeto que caminha com afeto e intenção
No dia doze de abril, a Rota Elementar nasceu. Nasceu em movimento, feito de passos na terra fria, mochila nas costas, olhos atentos no escuro da madrugada. Saímos de São Paulo calados, como quem respeita o ventre da noite. Mas dentro de mim era já manhã, uma manhã prestes a acontecer.
A subida começou com o céu ainda dormindo. As lanternas tremiam entre os passos e o que nos guiava vinha de dentro. Cada pessoa ali era um sim ao desconhecido, àquilo que lateja quando o corpo se desloca com intenção. A montanha foi nos recebendo em silêncio, oferecendo solo, vento, desafio. Nada perguntava, tudo acolhia.
Lá no alto, o céu rompeu. Laranja dissolvendo o escuro, rosa abrindo os contornos da paisagem e, finalmente, o Sol. Esse, que foi chegando devagar como quem respeita o momento. Estendemos a toalha sobre o chão, e ali preparamos um café da manhã feito de afeto. Canjica quente, café coado, pão fresco, bolo simples, frutas cheias de cor. Acolhimento com sabor. Veja como foi nossa primeira trilha.
Quando a trilha é também infância
Entre nós havia uma criança. Pequena em estatura, imensa em significado. A presença dela parecia dizer que a trilha era também brinquedo, descoberta, mistério. E era mesmo. Cada cenário ganhava olhos novos, cada parada virava saltos, música, dança, Chiquititas. A infância caminhava comigo e nos lembrava do que havia esquecido. Tudo, tudo, tudo, é seu é só querer. Você quer? E com um sorriso, é fácil de viver…
Ela ia à frente ou atrás, mas sempre presente. Suas pausas não eram cansaço, eram contemplação. Suas perguntas não eram distração, eram filosofia em miniatura. Com ela, o grupo mudou o ritmo. O passo desacelerou, o olhar se alargou. Ficamos mais atentos, mais vivos, mais verdadeiros.
Naquela criança, a Rota Elementar encontrou um símbolo. Porque essa trilha inaugural era também um nascimento. E tudo que nasce, nasce com fragilidade e potência misturadas. Ela representava o que queremos cultivar. Olhos de quem vê o mundo pela primeira vez. Coração de quem se entrega sem garantias. Curiosidade de quem não tem pressa.
Nomes que viraram laços
Andei com os meus. Jean, Vanessa, Raiane, Zilmarc. E Mari, minha parceira de jornada e de alma. Estar ao lado deles era estar segura mesmo no desconhecido. Cada um trouxe sua presença como quem oferece abrigo. Caminhávamos juntos e isso bastava. Era leveza com raiz.
Entre uma pausa e outra, surgia o riso. Entre uma subida e outra, o silêncio confortável. As palavras circulavam com a brisa e os corpos se entendiam no gesto. Cada um carregava sua história, mas na montanha as histórias se entrelaçaram. As pedras do caminho também servem para isso, para unir.
Descemos mais do que amigos. Descemos tribo. Com os corpos cansados e os corações leves. A trilha mostrou que quando o excesso fica para trás, o essencial aparece. E o essencial, ali, era afeto. Era escuta. Era presença. Caminhar junto é uma forma de dizer sim ao outro.
Mariane, Vanessa, Zilmarc, Jersiane, Emily, Michele, Gilsom, Wesley, Gabriel, Raiane, Jean, Amalia e Rose. Foi com vocês que a Rota deixou de ser ideia e virou corpo, passo, respiração. O Lopo é de vocês. E essa história também.
Um livro que guarda pegadas
Levamos até o topo o Livro de Memórias da Rota. Não era só um caderno, era um território. E foi uma criança quem fez o primeiro registro. Pegou o estojo de canetas coloridas sem pressa, olhou ao redor com olhos grandes e verdadeiros, e desenhou. Simples, forte, simbólico. O gesto inaugural não foi uma palavra. Foi traço.
O desenho dela parecia dizer mais do que qualquer frase escrita. Ali estavam a montanha, o grupo, o céu, a travessia. Um registro puro de quem vive o instante sem precisar nomear. E talvez por isso mesmo tenha sido tão potente. Porque nos lembrou do poder da memória sensível, que assume o devir cor, rabisco, letra, risco, imagem.
Depois disso, os outros se aproximaram. Pegaram as canetas. Desenharam também. Escreveram frases curtas, fizeram rabiscos tímidos, deixaram marcas. O que era um caderno virou corpo coletivo. Uma alma compartilhada em páginas. E a primeira trilha da Rota Elementar ficou ali guardada em rastro vivo do que foi sentido.
O vento folheava junto, curioso com o que nascia das mãos. A montanha parecia escutar em silêncio. As palavras se tornaram pegadas fixas, vestígios de uma presença que não queria desaparecer. Era bonito de ver. Era ainda mais bonito de sentir.
E meus olhos transbordaram pelo ritual que serve lembrar que a experiência não termina na descida. Que o vivido pode ser relido, relembrado, reamado. O livro ficou mais pesado ao final da trilha. E isso era bom. Porque o que pesa o papel, alivia a alma.
Um frasco para guardar o instante
No final da experiência, entreguei um mimo. Um frasco pequeno, discreto, perfumado. Dentro dele, um blend aromático de bergamota. Aroma cítrico e suave, que acalma a mente e acorda a memória. A escolha foi feita com o mesmo critério da trilha. Intuição, intenção, cuidado.
A bergamota é dessas essências que curam sem fazer alarde. Ela aquece e refresca, desperta e acalma, enraíza e expande. Seu perfume convida à presença. Ao abrir o frasco, queria que cada pessoa se lembrasse do vento no cume, da canjica quente, da criança correndo à frente, da água da cachoeira no fim do dia. Queria que o cheiro dissesse o que as palavras não alcançam.
Esse presente é um elo. Um jeito de fazer a trilha continuar mesmo depois da volta. Um lembrete de que tudo o que foi vivido ali segue vivo, dentro de quem caminhou. Basta inspirar para voltar ao lugar que nos transformou.
Encerrar com água, selar com leveza
Depois da montanha, veio a mesa. Comida mineira servida com generosidade. Arroz soltinho, feijão temperado, legumes com gosto de interior. Sentamos todos juntos, corpo relaxado, conversa leve, fome satisfeita. A comida vinha como abraço. A digestão era de tudo.
Ainda havia mais. A trilha pedia um fecho em forma de água. Uma cachoeira nos esperava. A água, fria, forte, corrente selou a experiência, como quem diz agora sim, podem ir. E fomos. Voltamos cheios do que importa.
Viva sua própria travessia
Essa foi a primeira trilha da Rota Elementar. E foi também o início de um chamado. Um chamado para olhar com mais calma, pisar com mais sentido, ouvir com mais alma. O Pico do Lopo nos recebeu com vento, cor, silêncio e entrega.
A Rota continua. Outras montanhas, outras águas, outros encontros. Eu estou aqui, cuidando de cada detalhe para acolher quem vai chegar para criar experiências que sejam sejam travessia.
Se você sentiu o chamado, venha. A montanha te espera. E a gente também.